The Past of Us

 

Tudo é lacração é a versão reversa do tudo é machismo, racismo e homofobia. Se o seu diagnóstico é lacração toda vez que você vê protagonismo gay no cinema, por exemplo, já sabemos que seu problema não é com lacração, e sim com protagonismo gay. Há um grande número de fiscais de cool no armário por aí, escondidos atrás de uma pretensa crítica ao identitarismo e a politização da sexualidade no cinema, mas como identificar esses indivíduos?

Um reboot de Alexander viria a calhar. O filme de Oliver Stone contém um caliente affair entre Colin Farrel e Jared Leto, então se gritar lacração já sentou na jaca. A produção é de 2004, antes do identitarismo polarizar a política americana e quase uma década antes de se espalhar como virose bacteriana cancerígena em Hollywood, então a única lacração que pode ser encontrada em Alexander é aquela que o fiscal inventou para camuflar sua tara fiscalizatória.

Antigamente as coisas eram mais simples, e a única coisa exigida do fiscal era fiscalizar o cool dos outros para certificar-se de que não está sendo usado para fins que o fiscal não autoriza. O mundo hoje está bastante mudado, e temos homens grávidos, menstruação masculina, pênis feminino, bissexuais não binários, assexuais fluid, autossexuais birromânticos e outros fenômenos esotéricos cuja fiscalização é não só problemática como em alguns casos impossível.

O ano, devemos reconhecer, também não está ajudando. Karnal recém anunciou seu casamento com Harry Potter e já tivemos um romance gay no terceiro episódio de The Last of Us¹ na HBO. Traumático, especialmente porque foi algo que ocorreu sem aviso. Foi tudo muito rápido: em um instante temos alguém tocando uma no piano, e no seguinte dois machos se chupando. É muita coisa para processar ao mesmo tempo, então o lacrador reverso escorrega na banana, dá aquela fiscalizada errada e entrega que é fiscal de cool. Desconfiei desde o princípio.

Para os que não têm talento nem vontade de passar vergonha, já ensinei aqui como separar o que lacrou do que não lacrou com meu método Lacre for Dummies, mas esse episódio do Last of Us contém outras informações que podemos usar para afastar o diagnóstico de lacre com segurança, como o fato do romance gay ser mero acessório na história. Isso é o inverso do que normalmente ocorre no lacre, onde a história é mero acessório do protagonismo LGBTQ+letrinhas.

Esse episódio é o que poderíamos considerar de modelo para inserção de personagens não normativos no cinema, já que lidou com uma narrativa universal². Além de ter apelo para todo tipo de público, teria efeito idêntico se trocássemos o casal gay por um casal hetero, trisal, quadrisal, bacanal, dupla de amigos, amigas ou mesmo amigues. Trata-se de conto que lida com o isolamento de humanos em ambiente pós-apocalíptico, suas perspectivas e dilemas éticos.

Não é exatamente um argumento original, mas foi executado com competência. O resultado está acima da média das inutilidades que inundam o streaming hoje, então é com certeza bênção de Frida. Que a Deusa nos elimine no caminho: em nome da Mãe, da Filha e da Periquita Santa, hímen!



Postagens mais visitadas deste blog

O Fardo da Mulher Extrovertida

Calabresa Fagundes

Iara Dupont

A Casada e o Shortinho

O Mundo de Cinderela