Mamãe Ursa

 

Catástrofes e calamidades sempre produzem dilemas éticos espinhosos, então as enchentes no Rio Grande do Sul estão fazendo com que pessoas tenham que abandonar seus pets para subir nos botes de resgate. O espaço que eles ocupam poderia salvar outra pessoa, mas o dilema que parece de fácil solução é na realidade emblemático para os que têm que abandonar seus bichanos, tão terrível que alguns preferem não ser resgatados para não ter que abandoná-los.

Fui notificado aqui em casa pela patroa que, se tiver que escolher entre eu e os gatos, ela vai com os gatos no bote e eu fico. A ordem do meu Titanic doméstico, portanto, é mulheres e gatos primeiro, barbados que se barbeiem depois. Fás centido. De acordo com o raciocínio da minha digníssima, eu sou alto, portanto se minha cabeça fica acima do nível da água, eu tenho chances razoáveis de me salvar sozinho, coisa que nem ela nem os gatos conseguiriam fazer. Não fiquei absolutamente convencido com esse arrazoado, mas achei razoavelmente razoável.

Mães de gato são ferozes, mas feroz mesmo é a mamãe ursa. Quando um urso errante encontra uma ursa com filhotes, ele vai tentar matá-los para que ela volte a entrar no cio. Copular, como todo macho de qualquer espécie sabe, é a famosa missão impossível. A ursa é menor e mais fraca que o macho, mas é tão implacável na defesa dos seus pimpolhos que o urso alcoviteiro acaba concluindo que é muito trabalho só para molhar o biscoito e vai embora com o pinto na mão. Ele nem queria mesmo, mas vai que rola, né? Não se pode culpar um urso por tentar. 

Ursas com ursinhos na floresta são extremamente perigosas, pois vão atacar qualquer coisa que considerem uma ameaça aos filhotes. Elas vão preferir morrer a abandoná-los, portanto não há força na natureza capaz de intimidá-las. Pensando nisso me ocorreu que ursos machos só conseguem chegar à idade adulta para dar suas rosnadinhas porque tiveram uma mãe que rosna mais do que eles. 

Não é o caso com as leoas. Quando um gato novo aparece no pedaço, ele vai matar os filhotes para que elas entrem no cio. Mesmo em maior número, elas não fazem nada. Ficam lá paradas olhando aquele bárbaro espetáculo de leonicídio infantil enquanto a pepeca pisca. A próxima vez que você ouvir a expressão mães leoas, já sabe do que se trata: é tudo p00lt@ filha da p00lt@.

Minha esposa não é nenhuma ursa, mas o problema é que não sabe nadar. Tenho certeza de que se os gatos estiverem se afogando, ela vai se atirar na água para tentar salvá-los. Conforta-me saber que, enquanto eu estiver por perto, ela não vai ter que fazer essa bobagem. Ao raciocinar sobre esse gatuno dilema, concluí que a missão de homens na sociedade - se é que tal coisa existe - é fazer por mulheres aquilo que elas fariam por homens se pudessem.

Na verdade, é o que elas sempre fizeram. Existo hoje pois minha mãe fez por mim o que meu pai jamais poderia. Graças à ciência médica moderna, morrer em trabalho de parto é uma tragédia rara, mas nem sempre foi assim. Mortalidade materna foi uma banalidade durante toda a história de nossa espécie, portanto só estamos aqui porque incontáveis mulheres arriscaram a vida ou mesmo morreram para nos dar a luz.

Essa tal de luz não é lá muito iluminada, mas é tudo que temos até o momento, e tudo que na realidade teremos até o dia do suspiro final. Suspiro, portanto, um feliz dia das mães à todas as mamães, menos às leoas. Frida me livre e guarde de uma mãe leoa. Minha mãe já não está mais comigo, mas era uma verdadeira ursa. Eu era só seu ursinho, mas como toda mamãe ursa, ela sempre me disse que eu era um gato. Se nem sua mãe acha que você é gato, preocupe-se. Você provavelmente é só mais um famigerado filho da leoa.

Postagens mais visitadas deste blog

O Fardo da Mulher Extrovertida

A Casada e o Shortinho

Calabresa Fagundes

Iara Dupont

O Mundo de Cinderela