Cultura da Meleca

 

É característico da cultura woke a ideia de que não existe cultura woke. Tudo não passa de uma teoria da conspiração de incels misóginos homoeróticos com masculinidade frágil. De certa forma, isso é compreensível, já que é difícil para alguém que nasceu imerso em uma mundo pós-agenda entender que aquilo que ele acha natural é na realidade uma fabricação da agenda cultural. 

Um indivíduo que nasce em um mundo em que há a cultura de tirar meleca do nariz e comer, por exemplo, tem resistência em aceitar que aquilo foi socialmente orquestrado. Comer meleca do nariz, para o comedor de meleca, é só uma coisa normal que todo mundo faz, não um hábito programado no cérebro do comedor de meleca pela mídia porca e melequeira.

A analogia do comedor de meleca com o lacrador woke termina por aqui, pois o lacrador não é um comedor de meleca comum. Lacrador é o indivíduo que se acha original e revolucionário porque inventou a cultura de comer meleca, mas diz que isso é teoria da conspiração porque a cultura do comedor de meleca já existia no milênio passado. É o que esse pessoal faz ao tentar me convencer de que não existe cultura woke contaminando os X-Men porque X-Men já era woke em 1960.

Gêintchy, entendo que tenho minhas limitações por ser um dinossauro roots da era pré-mileniozóica, mas no meu tempo o nome que a gente dava para pessoas que tentam provar que algo não existe dizendo que sempre existiu é retardado. Faço um esforço contínuo para acompanhar as novas tendências e atualizar meu vocabulário com as modernas gírias e terminologias politicamente corretas, mas confesso que não sei que outro nome posso usar para descrever esse imbecil fenômeno.

Em um artigo da Disney Plus sobre os X-Men, é possível ler a confirmação de que Morfo é um mutante não-binário¹ com uma relação "interessante" com o Wolverine. Comeu meleca, não é possível. A cultura não era assim em 1960. Nunca houve um artigo confirmando que Xavier seria um mutante portador de necessidades especiais, que confirmava a presença de várias mulheres na equipe para promover diversidade de gênero, que a Storm ser negra era um passo importante para a representatividade da mulher negra, ou que o triângulo amoroso entre Cyclops, Jean e Wolverine acendia a necessidade de discutir as relações cornoamorosas e a importância de curar sua masculinidade tóxica compartilhando sua mulher com os unhudinhos.

Qualquer jornalista escrevendo artigos desse tipo antes de 2015 com a pretensão de que tais coisas são sequer assunto digno de nota seria diagnosticado como retardado. Comeu muita meleca e está dodói da cabeça, tadinho. Antigamente, o assunto relevante sobre os filmes era a história. Mesmo que eles contivessem alguma mensagem ideológica embutida, o foco dos produtores também era a história, e não os embutidos. 

Embutidos ideológicos sempre existiram no cinema, já que a coisa mais antiga que existe é a famosa "moral da história". Terminator, por exemplo, contém embutida a temática da ganância corporativa, pano de fundo que causou a emergência da Skynet. A crítica às corporações malvadonas era um embutido ideológico bastante comum no passado, mas Hollywoke abandonou essa bandeira para se dedicar hoje obsessivamente a assuntos amorfos e redundantes como raça, gênero e sexualidade. 

O enigmático da cultura woke não é o fato de que é um embutido subliminar, mas sim o fato de que é explícita e escancarada. Não é essa a técnica consagrada que o cinema sempre usou para distribuir embutidos, então algo errado não está certo, mas o que seria? Um verdadeiro mistério. Adoro mistérios, especialmente os misteriosos. Eu poderia chamar o Sherlock Holmes para ajudar a desenigmatizar esse enigma, mas não vou porque a era do salvador branco cisheteronormativo já acabou. Esse textão também, pois o que foi já era.

Fui.
  

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