Abortadas pelo Destino


Na tentativa de desmentir a lenda urbana de que mulheres alguma vez precisaram esconder sua identidade para vender livros, citei Frankenstein de Mary Shelley. O exemplo foi infeliz, pois a primeira edição do livro foi publicada anonimamente em 1818, embora o nome de Shelley tenha sido associado à obra logo na segunda edição, em 1823. 

Há outras escritoras contemporâneas de Shelley que fornecem evidência de que essa lenda urbana é fake news, como Jane Austen, Elizabeth Gaskell, Edith Wharton (prêmio Pulitzer e doutora honoris causa pela Yale University) e Emily Dickinson, mas a narrativa da escritora oprimida é problemática por várias outras razões. Publicar anonimamente ou com pseudônimo, por exemplo, era prática comum também para homens. Ainda no século 19, Jane Austen iniciou sua carreira publicando anonimamente sob a alcunha de "By a Lady", e a poetisa Christina Rossetti publicou usando o pseudônimo de Ellen Alleyne. 

Isso me lembra aquela piada do indivíduo que, cansado de opressão e estigmatização, vai no cartório trocar o nome de João Imbecil da Silva para Ricardo Imbecil da Silva. Há também outros detalhes sobre o passado que você não sabe porque estava dando scroll em vídeos do TikTok ao invés de prestar atenção nas aulas de História.

Sei que vai ser difícil aceitar o que vou revelar agora, mas a verdade é que a cultura woke não inventou o otário manipulado por falsas narrativas midiáticas de que mulher não vende porque é mulher. No século 19, ler e escrever era atividade da elite, já que as massas eram, além de iletradas,  desdinheiradas. Ainda que não trabalhassem, mulheres endinheiradas da elite tinham estudo, portanto eram parte relevante do público consumidor de livros. Nesse ambiente letrado e endinheirado, certamente há pressão econômica sobre as editoras para adular o ego consumidor das ladies empoderadas.

Quando escritoras femininas são bem-sucedidas, empurrar a narrativa de que elas são seres de luz celestiais lutando contra o patriarcado malvadão é uma excelente maneira de manipular, digo, paparicar piriguetes impressionáveis da elite consumidora de livros. The Literatura is Female, portanto publicamos Frankenstein anônimo hoje, mas daqui cinco anos revelamos bombasticamente o nome de Mary Shelley junto com a narrativa viral de de que fomos "obrigados" a esconder o gênero da autora em razão do preconceito de gênero. Não foi necessário fazer isso com outras autoras porque essa informação não é conveniente, portanto vamos trocar de assunto, ok? Sim, claro.

Caso alguma publicação feminina fracasse, e nem as piriguetes impressionáveis da elite tenham interesse em desovar aquele entulho inútil, aí a Wokepress Editoras Desconstruídas avança o fake news de que é tudo culpa dos incels misóginos. Esse bando de escrotos homoeróticos só têm interesse em ler livros de escritores másculos e pintudos porque odeiam mulheres e não conseguem aceitar que elas também podem ser boas escritoras. Sim, claro.

Rápido! Compre agora os livros das autoras que minha editora publica para não ser acusado de ser um incel machista, homofóbico, racista, fascista e com masculinidade frágil! Mas gêintchy, tem que ser muito otário para ser manipulado por essa conversa mole de vendedor salafrário, mas como disse, a cultura woke não inventou o otário, apenas fez o upgrade do sistema. 

É difícil investigar o passado porque ele já passou, mas como há massiva evidência de que é precisamente isso que ocorre hoje com as narrativas farsantes que Hollywoke vende sobre protagonismo feminino, há zero razões para crer que o mesmo não ocorreu em todos os casos em que a narrativa da mulher que não é valorizada por ser mulher é avançada. Forte evidência de que esse é o caso é a conveniente inexistência de histórias de mulheres que publicaram com pseudônimo masculino e falharam. Por necessidade estatística, essas mulheres falhadas têm que existir em volumoso número, mas onde estão essas míticas criaturas abortadas pelo destino?

Passando vergonha¹ no Youtube, é claro. É realmente tocante a história da humorista de stand-up que se disfarçou de homem para testar sua delirante teoria da conspiração de que as pessoas não dão risada das suas piadas só porque ela é mulher. Mais tocante ainda é ver seu amiguinho feministo tentando convencer a coitadinha de que ela é de fato engraçada, mas ninguém riu porque aquela tinha sido a primeira vez que ela se apresentava disfarçada de homem. Sim, claro!

Observando esse video me ocorreu que homens são possivelmente a origem última da lenda da mulher que não é valorizada por ser mulher. Em algum ponto da história do Ocidente, por razões difíceis de entender, homens perderam a coragem de dizer a verdade às mulheres. Informar a uma pessoa que ela fracassou porque não tem talento é bastante doloroso. Bem mais confortável é iludir as fracassadas donzelas com a fantasia anestésica de que falharam só porque são mulheres com fim de proteger seus frágeis sentimentos.

Com sorte, até biscoito rola depois dessa conversinha mole. Bastante conveniente para o desenrolar da história. já que ninguém quer ser o incel misógino homoerótico da narrativa, não é mesmo, meninos? 


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