Xuxa e os Baixinhos
Mulheres devem ser mesmo o sexo virtuoso, as guardiãs da inocência e da pureza. Ouvi de uma inocente pura por aí, presumivelmente da minha geração, que ninguém via maldade nas roupas que a Xuxa vestia para apresentar seu programa para baixinhos na década de 1980. Essa deve ser daquelas baixinhas que cresceu achando que os meninos são simpáticos e prestativos com ela só porque ela é querida. Santa inocência, Batgirl.
Eu era um baixinho inocente na época da Rainha dos Baixinhos, e posso garantir que a maldade corria solta pelo meu corpinho pré-aborrecente. Nessa idade os hormônios já estão infestando o cérebro feito ferrugem na lata, momento em que o baixinho para de enxergar mulheres como criaturas sem penes e passa a visualizá-las como seres peitudos e bundudos.
Mulheres, por serem puras e inocentes, acreditam que a cultura ensina os meninos a ficar olhando para essas partes do corpo feminino. É o contrário, inocência. O desejo de olhar é efeito colateral da ferrugem, já com os outros a primeira coisa que se aprende é que não pode ficar olhando por mais de 900 segundos para o decote de alguma tia peituda, porque isso é falta de educação.
Confesso que nunca entendi essas regras de etiqueta que as meninas inventam. Não enxergo lógica em não poder olhar à vontade aquilo que mulheres se esforçam com tanto esmero para mostrar, mas enfim, há certos mistérios no universo que são mesmo muito misteriosos.
Gerações atuais, ao contemplar o que rolava no milênio passado, provavelmente imaginam que éramos todos uns pervertidos. Justiça seja feita à minha pura e inocente contemporânea gen X, o fato é que um baixinho naquela época tinha acesso extremamente restrito e rarefeito à pornografia, ou mesmo à imagens do corpo feminino. Os baixinhos de hoje, por sua vez, têm ao alcance de um clique quantidades pornográficas de pornografia e imagens de nudez feminina.
Basta estar online para acessar filmes como Quem vai Transar com Mary, V de Vagina, Pulp Friction, O Senhor dos Anais, Clube da Puta, A Vagabunda de Notre-Dame, Desejo de Meter, A Biscate do Soldado Ryan, Fendas da Paixão, Negão Impossível, Jorrada nas Estrelas, Se Meu Furo Falasse, Quatro Casamentos e um Bacanal, O Massacre da Jeba Elétrica, Duro de Sentar, O Exterminador do Teu Furo, Onde os Broxas não têm Vez, 20 mil Línguas sob Marina e outros pornbusters. Todos os títulos são convenientemente recortados e disponibilizados em formato TikTok punheta, que descartam as cenas com enrolação e vão direto para a parte da dancinha sem precisar dar fast forward na fita.
Depois de TikTokar cinco no banheiro com seu smartphone, o serial bronha das gerações Y e Z vai para as redes sociais dizer que objetificação sexual de mulheres é machismo e misoginia. Mulheres, por serem puras e inocentes, ainda acreditam na conversa mole desses malandros. A verdade é que a única razão pela qual homens afirmam que objetificação sexual é opressão de gênero é por temer perder o acesso aos seus objetos sexuais.
Sempre digo às meninas que homens só concordam com as insanidades que mulheres falam por medo de ficar sem sexo. Elas dizem que isso não é verdade, então me sinto na obrigação de concordar, pois, como dizia o velho deitado, é melhor ser feliz do que ficar na mão.
A quantidade de conteúdo adulto a qual garotos têm acesso hoje é uma coisa impensável para moleques da minha época, mas pervertida, é claro, é a minha geração, em que baixinhos inocentes suspiravam por causa da Xuxa antes de assistir D'artacão e os Três Mosqueteiros, uma releitura fofa for kids da obra de Alexandre Dumas em que os personagens eram todos totós animados. A Rainha dos Baixinhos, diga-se de passagem, usava mais roupa do que mulheres na praia em seu programa infantil, então confesso que também não entendo por que os baixinhos podem ver mulher com fio dental atolado no rabo no litoral, mas não podem ver Xuxa com maiô de cowboy no Xou da Xuxa.
Xuxa, aliás, sempre usou mais roupa na TV do que o Chris Hemsworth no cinema. Desconfio que as baixinhas de hoje suspiraram mais ao ver o Chris com roupa de deus do tesão em Thor 4 do que os baixinhos suspiravam pela Rainha dos Baixinhos na minha época. Para elas, entretanto, suspirar não é perversão porque nascer mulher não é considerado doença. No meu tempo, nascer homem também não era, portanto nem nudez, nem nudeles era coisa de pervertido. Perversão pra mim é medir a si com régua diferente da usada para medir o outro, ser falso, hipócrita, intelectualmente covarde e outras obscenidades abjetas que as pessoas aprendem a fazer nas redes sociais hoje.
Ultron passou cinco minutos na Internet e decidiu exterminar todos os humanos. Esse robô na realidade é um floquinhos de neve da geração fatos doem e palavras machucam. Existo em formato digital há quase trinta anos, já fui exposto a uma quantidade cancerígena de perversão online, mas ainda assim penso que a humanidade é uma empreitada que merece ser preservada.
Maldosos dirão que sou só um inocente, mas a mais pura verdura é que acredito de fato que cada criatura de Frida possui a capacidade de tornar a vida melhor para si e para os outros, e que juntos podemos fazer do mundo um lugar melhor. Faço votos de que o 2024 que se aproxima seja esse lugar.
Aos baixinhos e altinhos de todos os gêneros e idades, desejo um feliz Natal e um próspero ano novo.
I'll be back (T-800, 1984).