Você sabe fantasiar violência contra a mulher na política?

 


Os comerciais que as redes de destelevisão andam veiculando estão cada vez mais desconstruídos, mas há um em que Jamila Quitanga ensina a identificar violência contra mulheres na política¹ que é com certeza um clássico. Nada mais feminista, aliás, do que ensinar a opinião pública a reconhecer violência contra mulheres. Isso é muito importante, pois a mulher que sofreu a violência pode não saber que é uma vítima por não estar atualizada com a última edição da cartilha de vitimização da patrulha, que periodicamente adultera termos e redefine a realidade com fim de fabricar violência contra a mulher via ginástica semântica, uma atividade que seria totalmente desnecessária se a sociedade de fato fosse violenta contra mulheres.



Já nos primeiros segundos do comercial assistimos a uma tia pós the wall desfilando na passarela do Congresso enquanto é alvo de violentos olhares de dois parlamentares. Não contar a verdade a mulheres é algo que considero violência de gênero, então, ironicamente, essa encenação de lorota é uma espécie de violência. Sabe aqueles caras que ficam olhando as meninas por todo lugar onde elas passam com cara de tarado? Pois então. Quando elas ultrapassam uma certa idade, eles desaparecem, instante em que a oprimida mulher descobre a verdadeira natureza da opressão ao constatar que não encontrar em lugar nenhum alguém disposto a te oprimir é violência de gênero. Esse é o momento em que elas ficam como Madonna, chorando as quitangas e se doendo porque a carroceria não está dando mais caldo. A vida é mesmo muito opressora com as mulheres, especialmente as que ficam multimilionárias balançando a raba e depois enfrentam violenta neurose por não conseguir concorrer com seus clones só porque eles têm décadas de idade a menos.

Tornar-se invisível aos olhares tarados do sexo oposto é um dos violentos dramas femininos da melhor idade, mas embora a cena do comercial seja completamente inverossímil, provavelmente projetada para adular o ego das tias com fim de convencê-las a entrar para a política com a ilusão de que haverá homens babando por elas no parlamento, ela segue o script feminista padrão. Ao perceber que está sendo observada, a tia vira o rosto toda sorridente se achando a Mulher Pera, mas suas expectativas de que está abafando no Planalto são frustradas ao perceber que ser alvo de olhares tarados de dois tios sebosos que não são sósias de Gianecchini é algo bastante violento. 

Tadinha da tia. Há anos não recebe olhares nem quando passa na frente de uma obra, e quando finalmente consegue alguma atenção masculina, o sex appeal dos admiradores está no padrão do seu ex-marido pançudo. É muita violência, gêintchy. Instintivamente ela leva as mãos ao casaco para tentar cobrir o colo dos seios. Seios, conforme alegado pelas próprias feministas, não são órgãos sexuais, então por que mulheres têm essa reação reflexa toda vez que são violentamente escaneadas é algo que eu nunca vou entender, especialmente porque esse reflexo é curiosamente seletivo. Não parece se aplicar a scan de bofes lindos e ricos, e definitivamente não se aplica a outras mulheres, até mesmo as lésbicas. Está curtindo, querida? Ótimo, então morra de inveja, perua!



A próxima cena mostra uma mulher negra que não recebe atenção em uma reunião onde só há homens, todos, por coincidência, brancos. Isso prejudica a representatividade do homem negro, uma vez que eles também podem não estar motivados a dar atenção a mulheres somente por serem mulheres. Outra vez, uma cena inverossímil. Quando você é única florzinha em meio a um bando de cuecas, normalmente você vai ser tratada como a pet do bando, então a única violência da qual você corre risco é receber atenção gratuita e imotivada apenas por ser menina. Isso é algo bastante comum no Congresso, onde parlamentares mulheres, que existem em menor número, são paparicadas apenas por serem mulheres. Já alerto que essa boa vida vai acabar caso algum dia mulheres se tornem maioria na casa, ocasião em que ser um parlamentar portador de vagina deixará de ser um diferencial político garantidor de atenções especiais. Bastante violento. 

O fato é que não existe isso de parlamentar mulher não receber apoio pois parlamentares homens sabem que vestir a camiseta pró-meninas rende excelentes dividendos políticos, portanto todas as leis anti-homem, digo, pró-mulher, são tratadas com prioridade e normalmente aprovadas com maioria acachapante por deputados e senadores, na sua maioria homens. Falta de apoio para mulheres no Congresso é, portanto, uma lorota paranoica que existe apenas no mundo de fantasia do marketing feminista, como é o caso desse comercial.   

Usar uma mulher negra nessa cena foi definitivamente proposital, embora a peça publicitária não informe se a falta de atenção ocorreu por razões de gênero ou raça, nem esclarece o que raça tem a ver com gênero, já que homens negros, em teoria, também estariam sujeitos a não receber atenção por serem negros. Na prática, tal evento é tão ou mais fantasioso quanto não receber atenção por ser mulher. No geral, algo em torno de 115% das vezes, quando você não recebe atenção em uma reunião de qualquer coisa em qualquer lugar, isso ocorre ou porque você não tem carisma nem inspira confiança, ou porque já falou tanta bobagem nas vezes em que teve lugar de fala que todos já sabem que dar mais lugar de fala a você não vai fazer com que você pare de proferir inutilidades que, além de não somarem, nada acrescentam. A hipótese de que o problema é você, e não seu sexo ou sua raça, tem sempre preferência sobre essas duas últimas, portanto há que primeiro eliminar a primeira antes de sequer suspeitar que a causa da falta de apoio possa ser violência do patriarcado racista cisheteronormativo.
 

O evidente objetivo por trás do comercial é convencer o incauto telespectador a acreditar no fake news de que não há mais mulheres na política por causa da violência de gênero, então a última cena apresenta uma parlamentar recebendo insultos pelo celular: velha e lixo. Parlamentares homens com certeza não passam por isso, já que, quando são insultados, tal coisa é feita em público, e o que eles normalmente têm que ouvir é bem pior do que isso. É de se perguntar o que diríamos de um parlamentar homem que se eximiu de perseguir a carreira política por temer achincalhes de desafetos e invejosos, falta de apoio de pares ou mesmo olhares tarados de tias feias ao desfilar na passarela. Com certeza diríamos que esse indivíduo é um covarde. Se sua coragem política não é capaz de superar simples dissabores e inconvenientes, com certeza não está em condições de executar os atos que seu mandato exige e cumprir seus compromissos com sua base eleitoral, que elegeu esse bundão possivelmente por não saber que ele é um bundão.


Como é costume em todo comercial feminista desse tipo, após retratar mulheres como seres fracos e incapazes, exibe essas mesmas mulheres com semblante de coragem e determinação. Na hora de enfrentar scan de tios escrotos são medrosas, mas assim que descobrem que podem passar leis para criminalizar os scans que não estão no padrão que a mulher exige para ser escaneada, ficam valentes. É para isso que precisamos de feminismo: ensinar a mulheres que ser infantil e psicologicamente débil é ser corajosa, ser dependente do Estado para lidar com frivolidades da sua vida pessoal é ser independente, que eventos de exceção são a norma, que fantasia é realidade, que todos os fracassos das mulheres são culpa dos homens, e que coisas que ninguém se atreveria a definir como violência quando ocorrem com homens são violência quando ocorrem com mulheres. Essa última violência de fantasia é na realidade uma violência com mulheres que de fato são vítimas de violência real.


A única vítima de violência nesse comercial é a Democracia, já que ele existe para justificar e solidificar a narrativa das cotas de gênero na política. Toda cota de classe em parlamentos é, por natureza, antidemocrática, já que garante mandatos políticos a indivíduos que não estariam ali se seu ingresso tivesse que ser amparado por voto popular. Mais útil do que Quitangas ensinando mulheres a enxergar cabelo em ovo, detectar violências imaginárias e ataques fantasiosos aos seus direitos políticos é ensiná-las a reconhecer ataques reais à estrutura que garante direitos iguais para todos, todas e todes. A gente pode. O Brasil precisa. 

Em tempo: Queervoir não recebeu cachê para participar desta campanha. E não, isso não é marketing pessoal para capitalizar em cima das boas calças fazendo virtue signaling populista para iludir o povão. Até que eu queria um cachezinho para ser virtuoso, mas ninguém quer me pagar nada para participar de campanhas mesmo, o que não deixa de ser uma forma de violência. A pior forma de violência é a gratuita, já que se for remunerada aí deixa de ser violência e passa a ser business.

Postagens mais visitadas deste blog

O Fardo da Mulher Extrovertida

Calabresa Fagundes

Iara Dupont

A Casada e o Shortinho

O Mundo de Cinderela