Culpando a Vítima

 

Privilégio feminino na sociedade é algo tão pervasivo que a tarefa parece ser não descobrir onde ele se manifesta, mas onde ele não se manifesta. De acordo com o previsto no Código Penal em seu art. 59¹, para todo tipo de crime, o comportamento da vítima é fator à disposição do juiz para graduar a pena e determinar outros detalhes sobre como será aplicada. Observe que o comportamento da vítima não é componente à disposição do juiz na determinação da ocorrência ou não do crime, mas aplica-se somente à questão da pena uma vez determinada sua aplicabilidade. 

Vamos supor que um homem, durante anos, reiteradamente comete abuso físico e psicológico contra a esposa, e que essa decide matá-lo por estar cansada de tolerar aquele comportamento. É fato pacífico e observável que o comportamento do marido contribuiu e colaborou para que ele fosse assassinado. Poderíamos inclusive afirmar que o marido tem culpa em algum grau na sua própria morte, já que seu comportamento incentivou a ação homicida da esposa, que possivelmente nunca iria tomar a decisão de assassiná-lo na ausência de tal comportamento. 

O fato do marido ter contribuído para sua morte afasta o tipo penal de homicídio doloso e inocenta a assassina? Não, pois não há raciocínio ético disponível para alcançar essa conclusão, nem muito menos previsão legal para tanto, embora a lei autorize ao juiz ponderar esse comportamento no momento de graduar a pena dentro dos parâmetros legalmente previstos. Nenhuma feminista vai protestar contra isso, a não ser que os gêneros estivessem trocados. Fosse o marido o assassino e a mulher a abusadora, feministas não iriam tolerar a afirmação de que a mulher teve culpa na sua própria morte em razão do seu comportamento, muito menos aceitar que o comportamento da vítima é fator a ser ponderado na graduação da pena.

Precisamente esse comportamento pode ser observado na revolta com o professor de Direito e delegado aposentado Fabio Alonso na matéria do G1, sobre aula² em que ele tentava explicar o art. 59 do CP.  Tivesse o professor usado o meu exemplo, nenhuma feminista levantaria objeção, mas como ele atreveu-se a tentar explicar o artigo oferecendo exemplos de comportamento da mulher, foi trucidado. Mais do que trucidado, foi desonestamente removido de contexto, como feministas sempre fazem, para produzir um factoide. Jamais foi afirmado que a colaboração da vítima inocenta o criminoso, mas, para feministas, essa é não só a posição do professor, como do sistema legal e judiciário. 

Entender o mundo é bem mais difícil do que exibir pânico moral com fim de sinalizar virtude, razão pela qual é mais fácil fazer o último do que o primeiro. O catastrófico sobre a decisão de priorizar sinalização de virtude sobre o esforço de entender a realidade é que é garantido terminar de mãos vazias: nenhum saber, nenhuma virtude. 


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