Ji-Hae Park

 

Nem todo texto feminista é tóxico. Há algumas exceções, como o artigo do Universa¹ que aborda a admiração entre homens para concluir que mulheres devem admirar o que outras fazem e pedir a homens que façam o mesmo. Fofinho, mas ordinário. O texto falha em entender o mais básico sobre a natureza humana, falha até mesmo em entender o que há no mundo que é merecedor de admiração, portanto nada há de admirável nele, a não ser por sua admirável ingenuidade.

Homens não admiram falos, mas o que outros homens podem criar. Essa admiração é assexuada e não é destinada a todos, mas somente aos indivíduos capazes de produzir algo digno de nota. Criar é sublimar-se. A obra é o que transcende o indivíduo, então pretender reduzir a obra de alguém aos seus genitais ou qualquer outro aspecto da sua identidade, é diminuir a obra, e, por consequência, o autor. Se é necessário inserir uma genitália em algo para que tenha valor, então aquilo não tem valor em si. Não seria exatamente isso que feministas pretendem estabelecer sobre mulheres?

Admiração é a inveja do bem, é enxergar no outro algo notável, inspirador, aquilo que gostaríamos de ver em nós. Por ser dependente dessa condição, não só é irrefreável como não pode ser estendida voluntariamente, sob pena de transformar-se em bajulação torpe. Admiração independe de gênero, independe até mesmo de pessoas. Homens admiram animais por seu poder e habilidades, admiram a natureza por sua beleza, a vastidão inexorável do Cosmos e os mistérios do mundo subatômico. Onde há algo notável a ser observado, mesmo nas coisas mais simples e singelas, aquilo provoca deslumbramento nos homens.

Ji-Hae Park dispensa bajuladores. É uma violinista que caiu em depressão profunda ao descobrir que sua busca pelo virtuosismo no instrumento e o sucesso como concertista era uma empreitada vazia, momento em que o violino, aquilo que dava sentido à sua vida, transformou-se na sua cruz. Depois de anos de sofrimento, quando estava prestes a desistir de tudo, ela reconectou-se com o que há de belo e sublime na música, e isso foi sua salvação.

Em sua magistral master class² no TED, Ji-Hae nos convida a embarcar em sua transformadora jornada de vida guiados pelo mágico som do seu violino. Somos escravos de nossa natureza, e isso muitas vezes pode significar nossa perdição. Ji-Hae então nos ensina que uma simples mudança de perspectiva pode operar um libertador milagre, algo capaz de transformar não só a nós, mas o mundo à nossa volta.

Esforço, perseverança, determinação, talento, dor, escuridão, desespero, coragem, reencontro, paixão, entrega, superação e, por fim, paz e sabedoria. Dizer que Ji-Hae é admirável por ser mulher é sordidamente roubar dela algo. Ji-Hae Park é admirável. Nada além disso é necessário observar para que o seja.

É possível, porém, que você não consiga enxergar nada de valor em Ji-Hae e talvez prefira admirar a bunda da Anitta. Não há nada de errado nisso. Como disse, admiração é irrefreável e involuntária. Afinal, cada um nessa vida dá o que tem, o que para Anitta é um excelente negócio. Se até o choro é livre, também é livre o funk, o samba, o pagode, o pop, o rock e o sertanejo.


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